Читать онлайн книгу "Um novo mundo"

Um novo mundo
Guilherme Cabral




Guilherme Read Cabral

Um novo mundo




A MEUS NETOS

Se este pequeno trabalho, embora de phantasia, na parte romantica, não fosse elaborado sobre bases scientificas, alargadas pela imaginação, mas com verdades reveladas por exploradores e escriptores modernos de notavel capacidade; eu não lh'o dedicava.

Quando tiverem mais idade, saberão descriminar a realidade do que é ficção, como poderá fazer todo o leitor intelligente e approveita algumas noções pouco vulgarisadas.

Funchal, em 23 de junho de 1895.

O author.


Atravessando, ha pouco, a França, em direcção á Allemanha aonde me chamavam negocios importantes, demorei-me vinte e quatro horas em Lyon.

Acabava de entrar em um dos magnificos restaurants d'esta cidade, quando tomou logar a uma meza proxima á minha, um individuo que pediu café e charutos.

Aquella voz despertou-me recordações de um amigo de collegio, reputado morto havia seis annos. Ergui instinctivamente a vista de cima do jornal que estava começando a ler e encarando com elle, exclamei, levantando-me e dirigindo-me para o seu lado, «é impossivel que não seja Luiz de…!»

– Carlos! exclamou elle, por seu turno.

Um abraço removeu todas as duvidas, se algumas já podessem existir.

– Aonde, não me dirás tu, tens estado desde que foste dado como victima dos teus exercicios natatorios; e qual a razão do teu mysterioso desapparecimento?

– Não é este o logar, retorquiu elle, para te contar uma historia quasi inacreditavel, mas verdadeira. É um caso extraordinario, unico, desde a existencia do mundo.

Vem a minha casa; só ahi, te posso fazer essa revelação.

Em quanto vamos pelo caminho, quero informar o leitor de algumas particularidades d'este meu amigo intimo e condiscipulo.

Desoito annos mais completos, tanto no moral como no physico, dificilmente se encontram.

A elegancia de formas, a correcção das linhas do rosto, e a elasticidade de membros, reunidos a grande vigor muscular, estavam em perfeita harmonia com a nobreza de sentimentos e bondade do coração.

Nada sociavel, era conhecido pelo «misanthropo.»

Era-lhe indifferente o juizo que formavam do seu caracter, com tanto que o deixassem entregue aos estudos scientificos e á pintura. Destes trabalhos, um só divertimento o distrahia: era a natação, e n'este exercicio ninguem o igualava: conservava-se tanto tempo debaixo d'agua que parecia ter uma organisação priviligiada.

Só tu me comprehendes, dizia elle, e só comtigo me abro.

Quer, admirando os esplendores dos ceus, ou mergulhando a vista nas aguas do Oceano, dizia com desprezo – «misera humanidade, que nunca saberás o que são, e para que são, aquellas centenas de milhões de astros que rolam séculos sem fim no espaço, obedecendo a leis immutaveis. Frageis creaturas que somos! Nem ao menos, no nosso proprio planeta, sabemos o que existe no seio da terra, nem o que occultam os oceanos com oito e dez mil metros apenas de profundidade!

A sciencia diz-nos que o astro da noite é um planeta sem vida, destinado a illuminar-nos de noite e a regular, por uma forma mysteriosa e por isso contestada, varios phenomenos da vida animal e vegetal e o curso das aguas dos oceanos. Diz-nos que os mais astros do nosso systema plenetario são fragmentos apenas d'aquella massa colossal em fusão, o sol, e que, por infinitamente mais pequenos, esfriaram no decurso de séculos, em quanto que o astro rei, tarde ou nunca esfriará, porque é a luz e a vida d'esses pedaços que elle cuspiu para o espaço e que, pela força centrifuga e centripeta, giram perpetuamente em orbitas inalteraveis.

Tão admiravel, como incomprehensivel; e mais incomprehensivel ainda, essa infinidade d'estrellas, bastas como as areias das praias, que são outros tantos soes, illuminando os seus mundos, invisiveis para nós; soes de todas as côres e, talvez, de natureza differente.

Que espectaculo não deve ser o do Universo aos olhos do creador!

Depois, voltando-se para o Oceano, dizia: Carlos! Eu quando profundo mais do que ninguem estas aguas, vejo o sufficiente para julgar da riqueza da flora e da fauna dos mares que augmenta á proporção que descemos aos seus recessos aonde nunca chegaremos.

Apenas a sonda nos traz um ou outro spécimen das opulencias submarinas.

Wyville Thompson, no Challenger, em 1873, investiga os mares do Atlantico e do Pacifico e descobre nas grandes profundidades peixes privados do orgão visual. D'aqui deduziu a sciencia que essa faculdade se fazia desnecessaria aonde havia perpetua escuridão, por isso que os raios solares penetravam a pequena distancia da superficie.

Seguem-se a expedição ingleza do Valerous em 1875, e a Scandinava do Vortigen em 1876; e em 1877 e 78, a Americana do Blake.

Em 1880 e 82, o navio francez, Le Travailleur, profunda o golpho da Biscaia, o Mediterraneo e o Atlantico; e em 1883, Le Talisman, munido de apparelhos mais aperfeiçoados e sob a direcção de Alphonse de Wilne Edwards, sonda os mares do Atlantico.

É n'estas derradeiras explorações que a sciencia, até então na persuasão que a vida organica, devido á pressão e falta de claridade, não podia existir a mais de 560 metros da superficie, revela-nos que, na profundidade de 4500 metros, a pressão nada influe sobre a vida animal, e que, pelo contrario, os seres que habitam o fundo dos mares, trazidos pelas rêdes automaticas á superficie, chegados que são a certa altura, é a propria falta de pressão que lhes dilata os olhos, lhes escancara extraordinariamente a bocca, fazendo expellir as entranhas, ou os esmaga e desfaz, á semelhança do que succede ao areonauta quando sobe a regiões aonde a atmosphera rareia e por falta de compressão, golfa-lhe o sangue pelos olhos, nariz, ouvidos e bocca.[1 - Nas aguas da Madeira quando os pescadores se servem de linhas para a pesca em grande profundidade não é raro apanhar um peixe muito semelhante nas formas ao peixe espada e que offerece uma resistencia tenaz, até que se lhe separa o corpo da cabeça, vindo esta preza ao anzol.Julgam elles que no estrebuchar do peixe é este comido por tubarão, porém não se pode admittir que, em todos os cazos, haja um cetaceo d'estes á mão para devorar o peixe.O que determina aquella separação é ficar o corpo, na parte menos consistente, que é o ventre, esmigalhada por falta de pressão quando arrancado ao meio de que carece para a sua integridade, partindo no ponto vertebral aonde os tecidos, por aquelle rompimento, deixaram ficar a espinha dorsal sem o necessario apoio.]

Conheceu-se então que a claridade do sol, nulla n'aquellas profundidades, é substituida pela phosphorescencia animal.

As estrellas do mar, da especie Ophiacanthia Spinosa, transmittem uma luz brilhante esverdeada.

Outros muitos viventes, em perpetuo movimento, levam a toda a parte uma luz phosphorecente natural. Os olhos de certos peixes são dotados d'ella, e serve-lhes de pharol nas suas perigrinações, illuminando as aguas, menos abundantes de vida, e attraindo seres de que se alimentam, do mesmo modo que o nosso pescador se vale da luz do candeio.

Ainda mais; longe, como se supponha, de que a vida organica, por falta de luz, deveria ser destituida de côr, conheceu-se que as côres são, pelo contrario, vivissimas e espantosa a sua variedade n'aquelles grandes abysmos.

A sciencia está longe de nos dizer a ultima palavra; mas o que nos ensina é já bastante para imaginar o que deverá ser a vida n'aquelles recessos das aguas.

O homem descobriu o meio de se elevar á região das aguias; mas jamais romperá a crusta do globo a devassar os segredos das suas entranhas, não! que Deus não o fez dos metaes preciosos ahi amontoados, mas sim do barro da superficie, ao qual, por affinidade de condições, está eternamente agrilhoado. Assim discorria Luiz de… a quem vamos escutar a historia mais singular, mais extraordinaria até hoje conhecida.

– Eis-nos chegados, me disse elle, abrindo uma grade de ferro que separava a casa de um jardim esmeradamente cultivado e rescendente de perfumes das flôres que até a propria frente do edificio cobriam.

– Parece-me um ninho de fadas, Luiz! Vaes-me apresentar, sem duvida, á divindade d'este sanctuario d'amor!

– Nada d'isso; Carlos! retorquio elle com um sorriso repassado de amargura. Nas minhas horas vagas procuro distrair-me com as singellas producções da terra, já que as de um mundo que não é do homem, só vivem nas minhas recordações.

– Sempre com o pensamento no ignóto; no impossivel; Luiz! Nem os annos poderam mudar a tua original natureza!

– Do ignóto! dizes tu! e um novo sorriso, mas d'esta vez ironico, assomou-lhe aos labios.

Abriu-me então uma sala adornada de quadros soberbos, mas da mais requintada phantasia.

– És o primeiro, e serás o ultimo a penetrar n'este recinto, Carlos!

Era um elegante atelier de pintor.

Luiz fôra sempre distincto na pintura para a qual tinha um talento natural; porem a mais caprichosa imaginação reinava em tudo quando eu estava vendo.

A téla reproduzia o trabalho; a fadiga, deixe-me assim dizer, de um cérebro febril e exaltado.

– Estes quadros são provavelmente, a reproducção fixa d'esses teus sonhos d'outróra?

– Não senhor! É da realidade!

Voltei-me para elle, e o meu olhar obrigou-o a dizer-me:

– «Sem duvida, julgas-te na presença de um mentecapto!»

– Em quanto te tinha como phantasista, ou para melhor dizer, – o nephelibata da pintura – não passavas de originalismo, mas quando me queres impôr que tudo isto é verdadeiro, francamente, não me parece que estejas no teu juizo perfeito.

– D'essa maneira, de que me serve contar-te a historia representada n'estes quadros?

Ter-me-has na conta de um improvizador, e não sei mesmo, se de intrujão.

– Tudo, menos isso, Luiz!

Conheço demais a seriedade do teu caracter: mas não haverá no teu espirito uma illusão, filha dos teus insaciaveis desejos de penetrar os mysterios vedados á nossa investigação?

– Não, Carlos! Estes quadros são as memorias vivas do que me foi dado ver!

– O que homem! O centro da terra, e o fundo dos mares?

Agora começo a duvidar da tua sanidade intellectual! Como queres tu que eu tenha por realidade, este quadro, por exemplo, em que vejo a tua figura, pois evidentemente o é, com o trajo de banho que usavas, olhando com pasmo um espaço enorme illuminado, segundo julgo, a luz electrica; arcarias cristallinas a perder de vista, um lago sem fim que parece de prata liquida, um arvoredo exótico, esplendido, e junto de ti, encarando-te como em extasis, uma rapariga gentilissima, linda como pode ser um anjo!

Que matizado tapete é este que se desenrola em toda a extensão do quadro? Nunca a Persia produziu uma maravilha igual. E esta claridade, suave como a da lua, que penetra, sem produzir sombras, todos os pontos mais reconditos d'este phantastico recinto!

Pois tudo isto é real!

– É! respondeu-me elle; imperativamente.

Havia um tom d'authoridade n'aquella affirmativa que me fez emmudecer.

– Senta-te; me disse elle, e escuta-me. Por mais extraordinarios que te pareção os acontecimentos que vou narrar, peço-te que me tenhas na conta de verdadeiro. O mundo dava-me por doudo varrido, bem sei; e é por isso que este segredo morreria comigo se o acaso nos não aproximasse mais uma vez na vida.

– Descança, Luiz, lhe respondi: serei mudo como o tumulo.

– Não me opponho a que divulgues a minha singularissima aventura, pois poderá servir de proveito, com tanto que supprimas a minha individualidade.

Sabes, continuou elle, quanto eu lamentava não poder arrancar ao seio das aguas e ao centro da terra os seus mysterios! Pois bem! Um dia, precisamente a vespera d'aquelle em que desappareci, tinha-me lançado ás aguas, mergulhando a grande profundidade, como era meu costume, para admirar as plantas da costa submarina e a variedade de peixes que o pescador não apresenta no mercado.

De subito; pareceu-me distinguir um rosto humano e uns olhos que me espreitavam com curiosidade e interesse.

Veio-me á idea a lenda das sphinges, meio corpo de mulher e meio de peixe, ideia tão repellente, quanto attractiva era a espressão d'aquelle rosto.

Era-me, porém, precizo ganhar a superficie para renovar os pulmões de ar.

Quando desci pela segunda vez, o mysterioso ser tinha desapparecido.

Não sei que influencia exercêra sobre mim tão singular apparição.

Queria profundar aquelle mysterio e temia-o ao mesmo tempo.

Não se me tirava da imaginação: sentia-me fatalmente arrastado para a borda do mar, mas, por cautella, armei-me de punhal que cozi pela bainha, ao fato de banho.

Nada me assegurava que fosse um ser inofensivo, e devia ir preparado para o peior.

Quando cheguei á maxima profundidade, la estava o ente mysterioso; não, como na vespera, em distancia, mas proximo.

Corpo mais gentil, rosto mais seductor, não podia existir.

A Sphinge desappareceu immediatamente da minha imaginação. Fiquei como enfeitiçado!

O mysterioso, como deves lembrar, tinha sobre mim um poder magico. Não senti, senão já tarde, a necessidade de respirar: um desfallecimento apoderou-se de mim, era a asphyxia: perdi os sentidos, mas não sem perceber que estava sendo impetuosamente impellido para o fundo.

Quando os recuperei, achei-me acolá, aonde me vês, extendido sobre uma alfombra de fino musgo matizada pela Alternánthera e outras flôres lindissimas de variadas côres, e, curvada sobre mim, estava a mais encantadora e sympathica creatura imaginavel.

Puz-me de pé: – Olhei maravilhado para ella e para tudo que me rodeava.

Uma abobeda descommunal, cristalina, reflectindo a luz suave que vês n'aquelte quadro e illuminando soberbas arcarias perdidas na distancia, brancas como jaspe; e, sem se conhecer os limites, um lago que parecia de azougue, reproduzindo na sua superficie refulgente de aguas adormecidas, as sumptuosas naves e a vegetação esplendida d'esta archicathedral.

Miragem admiravel!

Passado o primeiro momento de espanto voltei-me para a minha companheira a pedir-lhe me dicesse, se não era ella a Eva legendaria, perpetuada atravez dos séculos, tal como Deus a pozera no paraiso, e se o que estava vendo não fazia parte do proprio Eden.

Não só conservou-se calada, mas demonstrou surpreza quando fallei.

Repeti a minha pergunta em outras linguas, e sempre a mesma mudez.

Rodeava-a um bando de cabras. Tomando de cima do enflorado tapete uma concha, que primeiramente passou pelas aguas limpidas de um arroio que corria perto de nós, mugiu uma cabrinha alva de neve e offereceu-me aquella rustica taça, acenando-me para beber do precioso leite.

Seria ella muda?

Embora o fosse, a minha admiração da sua belleza attractiva redobrava de momento para momento.

Tomei, reconhecido, as suas mãos nas minhas e ella abraçou-me sem constrangimento. Uni-a a mim e beijei-a.

A expressão de amor com que ella me olhava era mais eloquente do que quanto podesse exprimir a palavra.

Sobre nós espraiavam-se as largas e magestosas folhas da Muza, cujos esplendidos cachos de côr dourada beijavam o chão.

A Passiflora, com seus fructos roxos, e outras trepadeiras lindissimas em flôr, enlaçavam-se aos troncos.

Palmeiras elegantissimas, com seus differentes fructos, erguiam-se magestosas. A Vanilla, com suas perfumadas e deliciosas bages, arvores de fructo de que não tinha conhecimento, a Vanda, a Begonia, e outras plantas ornamentaes que n'aquelle ambiente tépido e inalteravelmente tranquillo, floresciam como nas nossas estufas na maxima perfeição.





Конец ознакомительного фрагмента. Получить полную версию книги.


Текст предоставлен ООО «ЛитРес».

Прочитайте эту книгу целиком, купив полную легальную версию (https://www.litres.ru/cabral-guilherme-read/um-novo-mundo/) на ЛитРес.

Безопасно оплатить книгу можно банковской картой Visa, MasterCard, Maestro, со счета мобильного телефона, с платежного терминала, в салоне МТС или Связной, через PayPal, WebMoney, Яндекс.Деньги, QIWI Кошелек, бонусными картами или другим удобным Вам способом.



notes



1


Nas aguas da Madeira quando os pescadores se servem de linhas para a pesca em grande profundidade não é raro apanhar um peixe muito semelhante nas formas ao peixe espada e que offerece uma resistencia tenaz, até que se lhe separa o corpo da cabeça, vindo esta preza ao anzol.

Julgam elles que no estrebuchar do peixe é este comido por tubarão, porém não se pode admittir que, em todos os cazos, haja um cetaceo d'estes á mão para devorar o peixe.

O que determina aquella separação é ficar o corpo, na parte menos consistente, que é o ventre, esmigalhada por falta de pressão quando arrancado ao meio de que carece para a sua integridade, partindo no ponto vertebral aonde os tecidos, por aquelle rompimento, deixaram ficar a espinha dorsal sem o necessario apoio.



Если текст книги отсутствует, перейдите по ссылке

Возможные причины отсутствия книги:
1. Книга снята с продаж по просьбе правообладателя
2. Книга ещё не поступила в продажу и пока недоступна для чтения

Навигация